Povo Caprichoso se reinventa para superar pandemia e a maior enchente da história

No lugar das cores, do brilho e da alegria de junho, Parintins inicia o mês mais festivo do ano em silêncio, com cautela e esperança de dias melhores. A capital nacional do boi-bumbá, pelo segundo ano consecutivo, não realizará o seu tradicional festival folclórico, em virtude da pandemia de covid-19. Do lado azul dessa disputa, o povo do Boi Caprichoso enfrenta outro percalço, a maior enchente já registrada na história, com ruas e casas submersas pelas águas do Rio Amazonas.

Os torcedores do boi negro da cidade são os mais atingidos pelo fenômeno anual da subida das águas. Nos bairros tradicionais, que formam o reduto azul e branco, como Francesa e Palmares, milhares de moradores têm suas residências e comércios invadidos pelas águas. O diretor comercial do Boi Caprichoso, Leandro Carvalho, possui um empreendimento que foi tomado pela enchente.

“A gente já tinha planejado alavancar nosso negócio, conseguimos até contratar duas pessoas, mas veio essa enchente e infelizmente derrubou nossos planos, nossas vendas caíram setenta a oitenta por cento. Atrapalhou até mesmo nossa vontade de estar mais próximo do nosso boi, pois nesse período nós já estaríamos na correria para o festival”, explica.

O vice-presidente do bumbá, Karu Carvalho, relembra a infância na Lagoa da Francesa, que atualmente transborda em uma das principais vias de Parintins, a Avenida Amazonas. “Aqui era o quintal de casa, nosso lugar de encontro com os amigos, e foi aqui que enfrentamos diversas vezes a subida das águas. Neste pedaço de Parintins surgiu grandes artistas do nosso festival”, comenta.

O presidente do Boi Caprichoso, Jender Lobato, reforça que o povo azul de Parintins é sempre o mais afetado pela enchente. “O boi contrário fala que eles são os mais prejudicados, mas a gente sabe que independente da subida do rio ser grande ou não, somos nós aqui, nossas famílias que sentem mais o impacto desse fenômeno. Só no Beco Submarino, na Francesa, são dezenas de famílias que passam pelo menos dois meses com seus lares submersos”, destaca.

Pandemia

No ano passado, após o cancelamento do Festival Folclórico de Parintins, havia a expectativa de que em 2021 a festa pudesse ser novamente realizada, mas por conta da segunda onda da pandemia e na iminência de uma terceira, o maior evento cultural do Amazonas foi outra vez anulado. O trade turístico da cidade amarga a segunda temporada sem lucros, e nesse contexto a classe artística, que depende da festa para sobrevier, também é duramente afetada.

O artista plástico Alcenildo Silva, o popular Tristeza, lamenta o cenário imposto pela covid-19. “Esse vírus acabou com a gente, nós deixamos de trabalhar e ganhar nosso sustento. A gente tenta como pode se reinventar, eu mesmo comecei a prestar serviço como pedreiro e agora faço salgados para vender em frente à minha casa, mas nada se compara às oportunidades que nós temos durante a temporada do festival”, detalha.

A torcedora Christiane Ferreira relembra os amigos que fez na fila do Bumbódromo e lamenta o fato de não poder reencontrá-los pelo segundo ano seguido. “As amizades que construir nos festivais eu levo comigo para vida, são pessoas de cidades vizinhas, de outros estados que durante três dias viram parte de nossa família. Eu jamais imaginei entrar um dia no Bumbódromo, no mês de junho, e encontrá-lo assim em silêncio, um verdadeiro deserto”, lamenta.

Jender Lobato ressalta que o futuro do festival depende agora da vacinação contra a covid-19. “É realmente muito frustrante chegar no meu segundo ano como presidente e não poder colocar o boi na arena do Bumbódromo, mas eu busco sempre sabedoria para compreender que se trata de um esforço necessário para que possamos em breve reviver grandes momentos e escrever novas páginas de vitória na história do Caprichoso”, enfatiza.

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